Jó fala de sua angústia

1 "Agora, porém, os mais jovens zombam de mim,

rapazes cujos pais não são dignos de correr com meus cães pastores.

2 De que me serve a força deles?

Seu vigor já desapareceu!

3 Enfraquecidos pela pobreza e pela fome,

roem a terra seca, em regiões sombrias e desoladas.

4 Colhem ervas silvestres entre os arbustos

e comem as raízes das giestas.

5 São expulsos, aos gritos, da companhia das pessoas,

como se fossem ladrões.

6 Agora, moram em desfiladeiros medonhos,

em cavernas e entre as rochas.

7 Uivam como animais no meio dos arbustos

e ajuntam-se debaixo dos espinheiros.

8 São gente insensata, sem nome nem valor;

foram expulsos da terra.

9 "Agora, divertem-se às minhas custas!

Sou alvo de piadas e canções vulgares.

10 Desprezam-me e ficam longe de mim;

só se aproximam para cuspir em meu rosto.

11 Pois Deus cortou a corda de meu arco;

já que ele me humilhou,

eles não se refreiam mais.

12 Essa gente desprezível se opõe a mim abertamente;

lançam-me de um lado para o outro

e planejam minha desgraça.

13 Bloqueiam meu caminho

e fazem de tudo para me destruir.

Sabem que não tenho quem me ajude;

14 atacam-me de todos os lados.

Quando estou caído, lançam-se sobre mim;

15 vivo aterrorizado.

O vento carregou minha honra;

minha prosperidade passou como uma nuvem.

16 "Agora, minha vida se esvai;

a aflição me persegue durante o dia.

17 A noite corrói meus ossos;

a dor que me atormenta não descansa.

18 Com mão forte, Deus agarra minha roupa;

pega-me pela gola de minha túnica.

19 Lança-me na lama;

não passo de pó e cinza.

20 "Clamo a ti, ó Deus, e não me respondes;

fico em pé diante de ti, mas não me dás atenção.

21 Tu me tratas com crueldade

e usas teu poder para me perseguir.

22 Tu me lanças no redemoinho

e me destróis na tempestade.

23 E sei que me envias para a morte,

para o destino de todos os que vivem.

24 "Por certo, ninguém se voltaria contra os necessitados,

quando clamam por socorro em suas dificuldades.

25 Acaso eu não chorava pelos aflitos?

Não me angustiava pelos pobres?

26 Esperava o bem, mas em seu lugar veio o mal;

aguardava a luz, mas em seu lugar veio a escuridão.

27 Meu coração está agitado e não sossega;

dias de aflição me atormentam.

28 Ando nas sombras, sem a luz do sol;

levanto-me em praça pública e clamo por socorro.

29 Contudo, sou considerado irmão dos chacais

e companheiro das corujas.

30 Minha pele escureceu,

e meus ossos ardem de febre.

31 Minha harpa toca canções fúnebres,

e minha flauta acompanha os que choram."

1 Mas agora zombam de mim os de menos idade do que eu, cujos pais teria eu desdenhado de pôr com os cães do meu rebanho.

2 Pois de que me serviria a força das suas mãos, homens nos quais já pereceu o vigor?

3 De míngua e fome emagrecem; andam roendo pelo deserto, lugar de ruínas e desolação.

4 Apanham malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento são as raízes dos zimbros.

5 São expulsos do meio dos homens, que gritam atrás deles, como atrás de um ladrão.

6 Têm que habitar nos desfiladeiros sombrios, nas cavernas da terra e dos penhascos.

7 Bramam entre os arbustos, ajuntam-se debaixo das urtigas.

8 São filhos de insensatos, filhos de gente sem nome; da terra foram enxotados.

9 Mas agora vim a ser a sua canção, e lhes sirvo de provérbio.

10 Eles me abominam, afastam-se de mim, e no meu rosto não se privam de cuspir.

11 Porquanto Deus desatou a minha corda e me humilhou, eles sacudiram de si o freio perante o meu rosto.

12 À direita levanta-se gente vil; empurram os meus pés, e contra mim erigem os seus caminhos de destruição.

13 Estragam a minha vereda, promovem a minha calamidade; não há quem os detenha.

14 Vêm como por uma grande brecha, por entre as ruínas se precipitam.

15 Sobrevieram-me pavores; é perseguida a minha honra como pelo vento; e como nuvem passou a minha felicidade.

16 E agora dentro de mim se derrama a minha alma; os dias da aflição se apoderaram de mim.

17 De noite me são traspassados os ossos, e o mal que me corrói não descansa.

18 Pela violência do mal está desfigurada a minha veste; como a gola da minha túnica, me aperta.

19 Ele me lançou na lama, e fiquei semelhante ao pó e à cinza.

20 Clamo a ti, e não me respondes; ponho-me em pé, e não atentas para mim.

21 Tornas-te cruel para comigo; com a força da tua mão me persegues.

22 Levantas-me sobre o vento, fazes-me cavalgar sobre ele, e dissolves-me na tempestade.

23 Pois eu sei que me levarás à morte, e à casa do ajuntamento destinada a todos os viventes.

24 Contudo não estende a mão quem está a cair? ou não clama por socorro na sua calamidade?

25 Não chorava eu sobre aquele que estava aflito? ou não se angustiava a minha alma pelo necessitado?

26 Todavia aguardando eu o bem, eis que me veio o mal, e esperando eu a luz, veio a escuridão.

27 As minhas entranhas fervem e não descansam; os dias da aflição me surpreenderam.

28 Denegrido ando, mas não do sol; levanto-me na congregação, e clamo por socorro.

29 Tornei-me irmão dos chacais, e companheiro dos avestruzes.

30 A minha pele enegrece e se me cai, e os meus ossos estão queimados do calor.

31 Pelo que se tornou em pranto a minha harpa, e a minha flauta em voz dos que choram.